quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Por Linhas Nada Tortas




Se você leu meu post anterior a este, no blog, há de se lembrar de minha exortação dirigida ao novo escritor brasileiro, no sentido de, a fim de se tornar um bom escritor, investir na criação de personagens reais e humanos.
Não poderia haver prêmio melhor para este autor que lhes escreve, amargurado pelas superficialidades destes tempos de escrita digital, do que ler logo em seguida o excelente romance "Por Linhas Tortas" (Novo Século -2011), livro de estreia da jovem escritora Cynthia França.
O romance conta a história de Ester, advogada carioca que teve uma juventude daquelas “certinhas”, onde tudo correu às mil maravilhas, de acordo com o script elaborado para a vida de qualquer pessoa feliz e normal. É feliz na amorosa família de origem, e gosta de seu trabalho, ainda que não haja sido a primeira opção de seu coração. Tem alguma tendência ao isolamento, mais isso não impede que conheça, ainda nos tempos de faculdade, o homem de sua vida, com quem sonha constituir família e viver o resto de seus dias. Mesmo nesse caminho o futuro promete seguir a mesma sina da perfeição, até que uma conversa por telefone vira seu mundo pessoal de pernas para o ar. Pela primeira vez na vida, Ester olha para o futuro e vê nuvens escuras e insondáveis. Pela primeira vez experimenta a raiva e o desamparo trazidos pela adversidade, o “por que eu?”, e é obrigada a amadurecer à força e sem anestesia. Ao longo de 321 páginas o leitor acompanha passo a passo uma emocionante história de lutas, dúvidas, alegrias, decepções e superação.
A estrutura do romance me agradou logo de cara. Sendo narrado em primeira pessoa, Cynthia
abdicou da tradicional divisão em capítulos. Os parágrafos são divididos em grupos, separados por pequenos espaços vazios. Utilizei exatamente a mesma estrutura em meu romance de estreia, "Quintessência". Na época, já que a história era narrada pelo meu protagonista Tom Rizzatti, quis passar ao leitor a impressão de que alguém estava lhe contando um caso, como numa conversa informal. E convenhamos, conversas informais não são separadas em capítulos com títulos e números. A prosa de Cynthia França provoca o mesmíssimo efeito. O leitor rapidamente acolhe Ester como uma amiga próxima, e acompanha seu relato com a fluidez e a leveza que a autora foi capaz de lhe infundir com brilhantismo. O livro se converte, sem que o leitor sinta, em um "page turner".
Mas o mais impressionante de tudo é exatamente a credibilidade dos personagens. Sua humanidade absurda, tanto da protagonista como de todos os secundários, com camadas de psicologia superpostas, nos causa uma sincera dúvida sobre o quanto daquelas pessoas de fato caminha pelas ruas à nossa volta. É exatamente por isso que acompanhar a trajetória de Ester é alecionador. Através de suas experiências absolutamente verossímeis, qualquer leitor haverá de encontrar um paralelo com suas próprias lutas e dúvidas, com suas próprias vivências ou as de pessoas próximas. E é, acima de tudo, uma aula de como a sensibilidade humana é capaz de funcionar como um farol que guia o barco do indivíduo com segurança através de um mar tempestuoso e coberto de neblina. Das últimas páginas ao final de "Por Linhas Tortas", senti uma emoção e uma felicidade notáveis. Minha vontade era deixar o livro, com meus sinceros agradecimentos à amiga Ester, e ir tratar de cuidar bem e ser feliz com as pessoas que amo.
Numa época de literatura superficial e árida, "Por Linhas Tortas" se destaca por conferir um sopro de doce esperança quanto ao futuro da literatura brasileira. Dizem à boca pequena que a estreante Cynthia França já segue escrevendo seu segundo livro. Penso que nós, amantes da boa prosa, merecemos isso. Quanto a mim, mal posso esperar.